Para as mães é
constrangedor não ser deus. Clarice cresceu, e direi sempre no passado por ser
impossível acompanhar, atualizada, a velocidade com que a vida segue esticando
meu bebê em gente. Daí ela sempre me surpreende, melhor, eu sempre me
surpreendo com ela. Outro dia dizia mal do ventilador e quando citei o nome da
coisa Clarice parou o que fazia para ligar a coisa ao nome com seu dedinho
indicador. Ela aprendeu uma palavra sem minha anuência, deliberadamente.
Recolhi a informação, acolhi meu coração e fiz nota mental: vai acontecer assim
cada vez mais. Lide com isso.
E lidar com
isso é muito mais do que achar bom ou ruim, é reconhecer um ninho confuso e
intrincado de sentimentos emergidos do profundo, geralmente sem muito senso de
moral ou coisa que o valha. De modo que morri de orgulho vendo a esperteza da
minha filha, mas fiquei atravessada por não ter participado (controlado) o
aprendizado dela, em seguida me repreendi por não ter ficado só orgulhosa. Sou
só eu?!
Tem mais
alguém aí?
Na escala de
uma palavra, sem a agravante creche, dei uma olhada na situação fiz elaborações
sobre e segui confiante. Quase um mês depois Clarice faz e diz coisas sobre as
quais não sei – outro dia ela pediu a banana que eu tinha na mão, distraída
baixei a banana para que mordesse um pedaço,
pois pegou a banana da minha mão e saiu comendo a fruta como se tivesse
nascido sabendo andar e comer simultaneamente – e sou desafiada a reconhecer
minha filha, a dialogar com o sujeito. Aquele que se faz também a partir de
estímulos que não vêm de mim.
Os amigos racionários vão argumentar que sempre
foi assim, o bebê se constrói a partir de todos os estímulos que pode
apreender, blábláblá... razão e maternidade até tem seus encontros, mas são
casuais. Portanto a coisa é sentida, depois, se der tempo, pensada. Destaque
pra madrugada de hoje, toda trabalhada no sonho. Pesadelos terríveis, Clarice o
tempo todo ameaçada por perigos de morte eminente. O mundo inteiro atrapalhando
o cumprimento de minha missão inexorável: salvá-la.
Salvar a ela?
Ou a mim? Quem do quê? Fica a dica para o enigma de prontidão na esquina. A díade
primordial se vai dilatando conforme Clarice vive a existência de outras
estrelas afora o sol, deslumbrada com os planetas, descobrindo outros corpos
celestes, novos caminhos, e um universo inteiro a fruir. O mundo existe para
além da mãe.
- Elis Barbosa
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