quinta-feira, 19 de março de 2015

Até quando ainda é bebê?!

Para as mães é constrangedor não ser deus. Clarice cresceu, e direi sempre no passado por ser impossível acompanhar, atualizada, a velocidade com que a vida segue esticando meu bebê em gente. Daí ela sempre me surpreende, melhor, eu sempre me surpreendo com ela. Outro dia dizia mal do ventilador e quando citei o nome da coisa Clarice parou o que fazia para ligar a coisa ao nome com seu dedinho indicador. Ela aprendeu uma palavra sem minha anuência, deliberadamente. Recolhi a informação, acolhi meu coração e fiz nota mental: vai acontecer assim cada vez mais. Lide com isso.
E lidar com isso é muito mais do que achar bom ou ruim, é reconhecer um ninho confuso e intrincado de sentimentos emergidos do profundo, geralmente sem muito senso de moral ou coisa que o valha. De modo que morri de orgulho vendo a esperteza da minha filha, mas fiquei atravessada por não ter participado (controlado) o aprendizado dela, em seguida me repreendi por não ter ficado só orgulhosa. Sou só eu?!
Tem mais alguém aí?
Na escala de uma palavra, sem a agravante creche, dei uma olhada na situação fiz elaborações sobre e segui confiante. Quase um mês depois Clarice faz e diz coisas sobre as quais não sei – outro dia ela pediu a banana que eu tinha na mão, distraída baixei a banana para que mordesse um pedaço,  pois pegou a banana da minha mão e saiu comendo a fruta como se tivesse nascido sabendo andar e comer simultaneamente – e sou desafiada a reconhecer minha filha, a dialogar com o sujeito. Aquele que se faz também a partir de estímulos que não vêm de mim.
Os amigos racionários vão argumentar que sempre foi assim, o bebê se constrói a partir de todos os estímulos que pode apreender, blábláblá... razão e maternidade até tem seus encontros, mas são casuais. Portanto a coisa é sentida, depois, se der tempo, pensada. Destaque pra madrugada de hoje, toda trabalhada no sonho. Pesadelos terríveis, Clarice o tempo todo ameaçada por perigos de morte eminente. O mundo inteiro atrapalhando o cumprimento de minha missão inexorável: salvá-la.
Salvar a ela? Ou a mim? Quem do quê? Fica a dica para o enigma de prontidão na esquina. A díade primordial se vai dilatando conforme Clarice vive a existência de outras estrelas afora o sol, deslumbrada com os planetas, descobrindo outros corpos celestes, novos caminhos, e um universo inteiro a fruir. O mundo existe para além da mãe.

- Elis Barbosa

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