quinta-feira, 9 de abril de 2015

Vá você pra casinha!

Terça-feira recebi de um amigo uma matéria falando sobre a primeira cabine de amamentação instalada no aeroporto de NY, 
http://revistacrescer.globo.com/Voce-precisa-saber/noticia/2015/04/primeira-cabine-de-amamentacao-sera-instalada-em-aeroporto-de-nova-york.html
e não aguentei, escrevi pra dizer, e repito: se é pra maior conforto de mãe e bebê, faz com vista pro mar!

Não, eu não li a matéria ainda. Devo curtir mais um pouco o estarrecimento que sinto quando leio uma manchete dessas, pois será ele o alimento da minha luta constante contra as trevas da ignorância e a maldade. Todos sabemos que, em cativeiro, os animais tem alterações severas de comportamento, especialmente no apetite e procriação. Sabendo disso, como posso classificar essa cabine ridícula?! Já classifiquei.

ATENÇÃO: é maldade trancar uma mulher com sua cria faminta. É DESUMANO. 

Você que me lê, foi amamentado? 

A maioria das pessoas não tem isso pra dizer, não foi amamentada. Amamentar é restrito à mulheres, se não for mulher não amamenta, e como tudo que é do feminino, vem sendo tratado como uma coisa feia, suja e imoral. Nossa sociedade machista precisa diminuir o que é do feminino, antes que tudo se acabe em maternidade empoderada, amamentação amorosa e criação consciente com apego. 
Amamentar envolve prazer físico e psíquico, restrito às mulheres que dão conta de sentir tudo isso sem culpa, Freud em um texto de 1906-1908 diz que uma mulher, enquanto amamenta seu filho, dispensa o amor do marido, não precisa dele, a amamentação "substitui" a necessidade do prazer sexual (grosso modo, preciosistas de plantão!). Pode isso?! Pode sim, é inclusive um poderoso contraceptivo natural, além dos hormônios envolvidos na amamentação inibirem a ovulação deixam a "libido" da mulher "satisfeita". 

Como lidar com tanta plenitude? Com esse poder todo?! Homens? A maioria lida competindo pela atenção da mãe, digo mulher, quer dizer mãe do filh@ deles. Fica confuso mesmo. Ouço inúmeros relatos de como o marido, de repente, precisa urgentemente da mulher, é só ela estar amamentando. São canalhas maquiavélicos? Não, são mamíferos que não tiveram suas necessidades essenciais atendidas quando eram bebês e ao verem um tendo querem para si também. Pecado nenhum, normal. O pecado é dizer mal disso, é desdenhar disso tornando a vida de mãe e bebê mais difícil.

"Ah, eu não fui amamentado e nunca senti falta?!". Nem vou ouvir, é muito absurdo na frase.

"Eu não fui amamentado e sobrevivi." Eu fui atropelada e não morri.

"Ah, eu não quis amamentar e sou ótima mãe." Cada um sabe onde lhe apertam os calos, não julgo quem decide pela mamadeira, pelo leite sintético, amamentar é natural, mas a gente luta tanto contra o natural que tem horas que fica difícil. 

Tem que ter peito pra estar disponível à fome do outro (e essa expressão, "tem que ter peito", não surgiu a partir das armaduras do homem de ferro). Tem que ter peito para suportar, a despeito das suas próprias necessidades (fome, vontade de ir ao banheiro, cansaço) uma pessoa chupando sua teta sem parar. Tem que ter muito amor para suportar as dores do começo, pra se doar mesmo sem querer.

Tem que ter mais peito ainda para assumir que não quer amamentar, que não consegue, e escolher maneiras de “reparar” as perdas que isso envolve, pois argumentos não mudam o fato de que o aleitamento materno guarda benefícios exclusivos. Sem jamais esquecer que toda mãe vai sempre fazer o melhor que pode por seus filhos, sempre. Será sempre a melhor mãe que PUDER ser, portanto não julguemos.

Antes que eu me esqueça, está achando chata minha militância? Então pare de provocá-la. Me deixe em paz pra amamentar minha cria. Meu ato te incomoda, entra você na cabine, e nem precisa pedir licença. Já vai tarde."

-Elis Barbosa

quinta-feira, 19 de março de 2015

Até quando ainda é bebê?!

Para as mães é constrangedor não ser deus. Clarice cresceu, e direi sempre no passado por ser impossível acompanhar, atualizada, a velocidade com que a vida segue esticando meu bebê em gente. Daí ela sempre me surpreende, melhor, eu sempre me surpreendo com ela. Outro dia dizia mal do ventilador e quando citei o nome da coisa Clarice parou o que fazia para ligar a coisa ao nome com seu dedinho indicador. Ela aprendeu uma palavra sem minha anuência, deliberadamente. Recolhi a informação, acolhi meu coração e fiz nota mental: vai acontecer assim cada vez mais. Lide com isso.
E lidar com isso é muito mais do que achar bom ou ruim, é reconhecer um ninho confuso e intrincado de sentimentos emergidos do profundo, geralmente sem muito senso de moral ou coisa que o valha. De modo que morri de orgulho vendo a esperteza da minha filha, mas fiquei atravessada por não ter participado (controlado) o aprendizado dela, em seguida me repreendi por não ter ficado só orgulhosa. Sou só eu?!
Tem mais alguém aí?
Na escala de uma palavra, sem a agravante creche, dei uma olhada na situação fiz elaborações sobre e segui confiante. Quase um mês depois Clarice faz e diz coisas sobre as quais não sei – outro dia ela pediu a banana que eu tinha na mão, distraída baixei a banana para que mordesse um pedaço,  pois pegou a banana da minha mão e saiu comendo a fruta como se tivesse nascido sabendo andar e comer simultaneamente – e sou desafiada a reconhecer minha filha, a dialogar com o sujeito. Aquele que se faz também a partir de estímulos que não vêm de mim.
Os amigos racionários vão argumentar que sempre foi assim, o bebê se constrói a partir de todos os estímulos que pode apreender, blábláblá... razão e maternidade até tem seus encontros, mas são casuais. Portanto a coisa é sentida, depois, se der tempo, pensada. Destaque pra madrugada de hoje, toda trabalhada no sonho. Pesadelos terríveis, Clarice o tempo todo ameaçada por perigos de morte eminente. O mundo inteiro atrapalhando o cumprimento de minha missão inexorável: salvá-la.
Salvar a ela? Ou a mim? Quem do quê? Fica a dica para o enigma de prontidão na esquina. A díade primordial se vai dilatando conforme Clarice vive a existência de outras estrelas afora o sol, deslumbrada com os planetas, descobrindo outros corpos celestes, novos caminhos, e um universo inteiro a fruir. O mundo existe para além da mãe.

- Elis Barbosa

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Da série: Trocas com Lea

Cada momento que se seguiu à leitura das “duas listrinhas” (beijo Roberta!) rende textos, de modo que para dizer disso em algumas postagens meu “era uma vez” vai ser assim:

No dia 19 de março de 2013 fiz o teste de gravidez e deu positivo. Brincava com a ideia, mas não tinha motivos para acreditar na consubstanciação do abstrato que isso era. Surtei oficialmente na madrugada daquele dia. Depois, foi um compartilhar de crescimento sem fim entre meus pares, todo mundo que acompanhou a barriga de Clarice se transformou com ela. A troca sempre de muito amor envolvido.

23 de abril de 2013 - Lea
De vez em quando me pego pensando na grávida Elis. Ainda não sei qualificar tais pensamentos em palavras. Uso, então, o Ney para dizer. Seja a canção o bem para ambos. Que se trave a guerra de uma vida melhor. Também para ambos: 

24 de abril de 2013 - Elis
De vez em quando também me pego pensando na grávida.
Bom, primeiro: você me levou às lágrimas. Pelo pensamento, pelo gesto e pelo presente. Música é daquele presentes que a gente não esquece e que não fica nunca pra trás. Ouvi a música três vezes seguidas.
Haverá guerra ainda? Sim, haverá guerra sempre. Tomara que não aquelas que a gente está achando até chato ainda ter de lutar.
Amiga, do momento que soube que ia ter criança a guerra começou. Vi tudo dentro de mim se multiplicar, de repente eu era várias. A que tinha orgulho de poder parir, como se isso de alguma forma me integrasse ao exército das que me precederam e, nesse sentido, estendia "ser mulher" (e essa sensação é totalmente irracional).
A que ainda não tinha admitido querer passar por isso e se via um tanto embaraçada em lidar com a notícia (depois de dois testes, sendo um de sangue, eu pedi confirmação ao obstetra da gravidez, ele ficou com um pouco de pena de mim). A que não sabia onde ia colocar a existência da criança em meio a tantos outros planos, teorias e projetos. Imagina, no meio de uma pós, e começando um curso de formação em psicanalítica?! Metade da minha semana é em outra cidade!
Daí a gente entende o motivo de a criança não vir em três meses, não dá tempo pra entender o que está acontecendo em três meses. E olha que eu já estou na décima semana. Faz hoje.
A partilha de si não pára. O mundo aparece então em toda sua carência de coisa em broto, e é assustador. Como um polvo, as frases feitas ganham novo alcance, e todos querem já demandar seu quinhão. Não se pode tirar o menino do mundo, nem se pode retirar e deixá-lo por si. Que será ele quando crescer? Essa é a pergunta que quero garantir aberta enquanto ele não puder fazê-lo.
Acho que essa é a guerra que virá. Ficar, mas não muito. Ausentar-se, mas deixar claro que a volta é sempre possível. Lea, tem uma pessoa pra chegar, ainda este ano, vem morar comigo. E compartilharemos a descoberta dessa pessoa enquanto sujeito. Cara...! Vou precisar de todos os amigos e músicas, e poesias que puder ter!
Ah, least but not last de jeito nenhum, fico eu alimentando a Elis que continua a trabalhar, a estudar e a transitar pelo mundo (temporariamente mais careta) do meu jeito mesmo, servindo de canguru pra menino É uma loucura!
Tem uma outra música que ando ouvindo (o link dela vai aqui em baixo), já conhecia e achava bonita mas via um sentido só. Tinha que respirar o bebê. Hoje ouço ela pra mim, o "tinha quer respirar" é lembrete pra mim, pra mãe. "Todo dia." 
https://www.youtube.com/watch?v=zqdTN6a_yFE
Beijos linda, e obrigada.
- Elis Barbosa

domingo, 8 de fevereiro de 2015

De partida aos pedaços

Dias e noites misturados, amor por toda a casa, brinquedos também. A sala de estar mudou, não tem sofá agora é fouton, mais esteira de palha e um assento de meditação. O modo de estar ali também, sempre em estacato, rapidinho, senta e levanta. Tudo que Sr. Mestre mandar, faremos todos!

Vivo. Morto. Vivo. Morto. Vivo. Morto. Vivo. Morto. Vivo. Morto. Vivo. Morto. Vivo. 

Depois vai ficando mais claro, nesse momento quero falar para aqueles que tremem sem a legenda, vibram cada palavra com o frescor perene que a marca dos filhos nos concede.

Brinquedos pela sala sem sofá, suas cores berrantes me surpreendendo e intrigando. Tem uma outra casa dentro da minha. A casa da Clarice. Então é certo que tudo mudou. Nada nunca mais foi inteiro, e descobri que só não sendo inteiro para ser plural. E que isso é um processo, não acontece e acaba, permanece acontecendo para não acabar. A gente perde sempre uns pedaços para poder ganhar espaços. E esses nacos de alma fertilizam a beleza do olhar, melhoram o sujeito em muito. 

Noites e paradigmas esfarelam de pronto, depois, conforme crescem nossos filhos vão partindo outras coisas, quero falar de todas. Em primeira pessoa mesmo, chafurdando na narrativa para tentar adoçar o não dito. Relatos e reflexões sobre a experiência da parentalidade ainda não são senso comum, mas já acontecem, e me presto aqui a fazer parte desse movimento. Relatar, reatar, reafirmar, essa maternidade que acontece assim, aos pedaços, em nacos de maternitice.